PARTE I: A HISTÓRIA DO CLIC!

 

 

"PRECISAMOS DE UM CLIQUE" 

O Centro Lúdico de Interação e Cultura – Clic! começou a nascer em 1994, quando a psicóloga Claudia Souza ficou grávida. “Pensei: meu filho vai ser filho único;, gostaria que ele tivesse um lugar para brincar e para conviver com outras crianças que não fosse escola”, conta Claudia. Ela não queria uma “escolinha”.: “O que se faz menos numa escola é brincar e conviver”, explica.

Durante a gravidez, Claudia escreveu as ideias básicas desse espaço, onde o principal seria brincar. Em 1995, quando seu filho Davi completava um ano, ela foi convidada pela psicóloga Liliane Mitre a montar uma escola. As duas tinham trabalhado juntaso:, Liliane, como professora;, Claudia, como orientadora. “Fui logo dizendo: uma escola eu não gostaria de montar, mas tenho este projeto aqui”, conta Claudia. Liliane leu, gostou e adotou a ideia.

O projeto, que Liliane ajudou a aperfeiçoar, era de um espaço complementar à escola, onde as crianças pudessem estar juntas, brincar juntas, conviver, participar de oficinas culturais e também fazer suas tarefas escolares. Não tinha faixa etária definida, mas como começou com poucas crianças, pouco pessoal e, principalmente, pouco espaço físico, ficou estabelecido que receberia crianças de cinco a doze anos.

O nome foi escolhido numa brincadeira. Claudia, Liliane e Gui, pai do Davi, falaram palavras que consideravam importantes no projeto e tentaram formar uma sigla com elas. “De repente, alguém disse que estávamos precisando de um clique. Todos gostamos do nome, o achamos muito significativo”, lembra Claudia. Uma a uma as palavras que formam a sigla foram saindo, até formar Centro Lúdico de Interação e Cultura.

“Centro significa um ponto, um espaço, uma força que atrai pessoas e ideias afins. Lúdico, Interação e Cultura formam o tripé que o brincar materializa”, explica a fundadora.

O significado foi tão forte e preciso, que até hoje, depois de várias transformações no projeto, o Clic! – grafado assim, com c e exclamação – continua se referenciando nas quatro palavras que formam o seu nome.

Em janeiro de 1996, o Clic! foi inaugurado, numa pequena casa na Rua Caldas, no Bairro Carmo, reformada e adaptada às necessidades do projeto. “A primeira casinha caiu do céu. Aliás, a segunda também. Na história do Clic! tem isso, sempre que a gente precisava muito de alguma coisa, essa coisa ‘aparecia’”, observa Claudia. A casa ficava na rua em que ela morava, num bairro “gostoso e simples”, como queriam as fundadoras. Tinha as condições mínimas de que necessitavam para começar e um aluguel que elas podiam pagar.


Claudia Maria de Morais Souza nasceu em Boa Esperança (MG), no dia 24 de outubro de 1963, e mudou-se para Belo Horizonte aos onze anos. É formada em psicologia pela UFMG e tem especialização em psicopedagogia, arte-educação e linguística. Antes de fundar o Clic! foi professora e coordenadora de Educação Infantil. Foi também psicopedagoga clínica durante cinco anos, consultora de várias escolas, coordenadora de diversos grupos de estudos e supervisora de muitos psicopedagogos. É bonequeira, contadora de histórias e agente cultural. Desde 2006 mora em Milão, Itália. Atualmente trabalha no projeto cultural e ambiental QualeGioco (progettoqualegioco.it), que envolve escolas, museus e bibliotecas, em cujo blog escreve (progettoqualegioco.blogspot.com). Com Cibbele Carvalho, escreve também, em português, o blog Quintarola (quintarola.blogspot.com), sobre a cultura da criança. Com o marido Marco Piccione, italiano, e a amiga Paula Juchem, brasileira, criou a associação Extraterrestre, para trabalhar com a diversidade, combatendo a desigualdade (http://extraterrestreit.blogspot.com). Em 2010 publicou dois livros pela Editora Callis, de São Paulo: A planta carnívora de Léo e A princesa que salvava príncipes.


O COMEÇO

A primeira aluna do Clic! foi Maria Cecília, menina de seis anos, que tinha problemas com alfabetização na escola. Seus pais vieram em busca de atendimento clínico, mas, ao conhecerem a proposta inovadora do Clic!, entusiasmaram-se com ela. Resolveram tirar a filha da escola formal por um ano e deixá-la só no Clic!

Logo chegaram também Tarsila e Samuel, filhos de uma vizinha, jornalista. “Ela me propôs uma troca: as crianças ficavam ali e ela fazia a nossa assessoria de imprensa”, recorda Claudia. Tarsila tinha sete anos quando começou a frequentar o Clic! Ia pela manhã, às oito horas, e ficava até o meio-dia; à tarde ia para a escola. “Fazia o Para Casa, depois tinha oficina de capoeira, de corte e costura...”, recorda a jovem, que permaneceu no Clic! até os dez anos e em 2006 voltou, como educadora.

Hoje, Tarsila faz graduação em publicidade e estágio em uma agência; nas horas vagas anima festas infantis, juntando dinheiro para uma viagem. Nesse trabalho, usa brincadeiras aprendidas no Clic! e que estão desaparecendo do universo das crianças, como balança caixão. “As outras animadoras me perguntam; ‘De onde você tirou isso?’ Respondo que brinquei muito”, conta Tarsila. “Eu brinquei mesmo, não passei a infância vendo televisão e jogando videogame.”

A assessoria de imprensa deu resultado: pauteiros se interessaram pela novidade, que apareceu em reportagens de jornais e televisão. Enquanto isso, o grupo de alunos crescia, com ex-clientes de consultório de Claudia: Bruna, Breno, Marcela, Vinícius... “Aos poucos passou a funcionar o boca a boca, que é a melhor forma de publicidade em educação”, observa a fundadora. Mais tarde, os Sábados Abertos tornaram-se um eficiente meio de mostrar o Clic! e torná-lo reconhecido socialmente, vinculado a ótimos produtos culturais.

No começo, trabalhavam no Clic! Claudia, auxiliada por uma estagiária, pela manhã, e Liliane, à tarde, também com uma estagiária. Elas contavam com o apoio de uma secretária e uma faxineira. No fim da tarde ou da manhã, havia uma oficina, diferente a cada dia: capoeira, teatro, música, literatura, culinária, costura e artes plásticas.

“Quem dava capoeira era o Serginho, um médico amigo da Liliane, que fazia isso por paixão”, recorda Claudia. A oficina de teatro era dada pela Cíntia, também amiga da Lili, e a de música, pela Catarina. “Com elas a gente fazia trocas também, pela frequência de sobrinhos.” A culinária era realizada tendo em mãos o livro de receitas da Tia Nena, uma importante educadora da cidade de Campanha, acrescenta Liliane. As aulas de costura eram ministradas pela Auxí, como as crianças chamavam a Auxiliadora, mãe da Lili. Claudia e Liliane davam literatura e artes.

Pelas oficinas do Clic! passaram muitos artistas. Muitos foram breves, mas deixaram saudade, assim como Ana Cristina Coura, que durante um pequeno período compôs também a sociedade, e se afastou para se dedicar a outros projetos.

Algumas crianças almoçavam no Clic!, mas a refeição ainda não era feita lá, era comprada de um serviço de catering, a marmita moderna. No final do horário, elas tomavam banho e esperavam pais ou motoristas buscá-las. Um dos orgulhos do primeiro ano de funcionamento foi o desempenho de Maria Cecília, a primeira aluna. “No fim do ano, ela estava lendo e escrevendo”, conta Claudia. A menina foi matriculada na escola formal de novo, mas continuou frequentando o Clic! até os doze anos. “O pai dela, o Brito, foi um grande colaborador desse período e no início da nova sede”, lembra Claudia.


A NOVA CASA

Logo o Clic! precisou de uma nova sede. Ao final de dois anos, eram já dezoito crianças e o espaço estava apertado, principalmente o externo. Embora Liliane não gostasse muito da ideia e achasse que era cedo para crescer, Claudia começou a procurar uma casa maior.

“Da janela do meu apartamento, eu vi que a Escola Casa do Recreio tinha fechado e que a casa estava abandonada. Fui lá me informar e me disseram que estava à venda. Seria demolida para dar lugar a um prédio. Fiquei chateada, porque achei que era o espaço perfeito para o Clic! e também por causa das árvores centenárias que iam ser cortadas”, recorda a fundadora.

O tempo passou, Claudia continuava procurando uma nova casa, quando viu um anúncio de aluguel na Rua Campanha. Para sua surpresa, era aquela casa que ela tinha visitado. “Os donos tinham mudado de ideia e fui uma das primeiras pessoas a ver o anúncio”, conta. Imediatamente ela foi olhar o imóvel. “A casa estava em condições terríveis, completamente deteriorada, tinha até gente morando lá. Mesmo assim, resolvi que era pra lá que eu queria transferir o Clic!”.

Foi uma decisão capital: o Clic! e sua sede são hoje como corpo e alma. Claudia propôs ao casal de proprietários reformar o imóvel e abater o investimento no aluguel durante seis meses. “Eles toparam, acho que porque o projeto envolvia crianças e naquela casa tinham crescido seus filhos”, imagina.

Infelizmente, a mudança acarretou outra. Ao ver o estado do imóvel, Liliane não quis arriscar. Ela tinha outros planos para sua vida e precisava de alguma coisa mais estável, por isso decidiu deixar a sociedade. “Combinamos que ela me venderia a parte dela em suaves prestações”, conta Claudia. “Foi triste a gente se separar, mas continuamos amigas e ela sempre foi muito disponível pra me ajudar.”

Antes de começar a obra, Claudia foi conversar com os invasores do imóvel. Explicou que precisava que eles saíssem porque aquele lugar se transformaria num espaço para crianças brincarem, um dos poucos que ainda existiam no bairro. Não encontrou resistência; depois de compartilhar o café servido pelos sem-teto, a psicóloga conquistou sua simpatia. E até hoje ela se lembra do gosto daquele café... Em dois meses, a parte principal da casa tornou-se habitável e o Clic! mudou-se para lá.

Na pintura da casa, trabalhou João Pereira da Silva, recém-chegado de Jucuruçu, município do sul da Bahia, na divisa com Minas Gerais. Ele viera a Belo Horizonte com a mulher, Maria, e a filha, Ideiane, de um ano, para fazer tratamento de saúde, e estava morando no Bairro Venda Nova, na casa de um tio, que foi contratado para pintar o novo Clic! João ajudou o tio na pintura e nas horas vagas retirava o colossal entulho que a casa abandonada tinha acumulado.

“Estava tudo deixado, tudo bagunçado”, recorda João. “Um muro tinha sido derrubado, os vidros estavam todos quebrados, os vasos dos banheiros tinham sido arrancados, o chão estava cheio de folhas.”

O jeito do João, que nasceu e viveu na fazenda do pai, até vir para Belo Horizonte, agradou a Claudia. “Vi logo a estirpe dele, incansável e supergentil”, conta a fundadora. “Ficamos amigos, porque eu estava sempre lá durante a reforma, fazia o papel de mestre de obras.” Ela sabia que ia precisar de um funcionário para cuidar daquela casa imensa e fez a proposta a João.

João aceitou, mas queria também emprego para sua mulher. “Ela veio conversar comigo, a gente se entendeu, adorei ela também”, lembra Claudia. Para recebê-los, foi preparada uma moradia, nos fundos do Clic!, e é ali que a família mora até hoje. Ideiane integrou-se à meninada, assim como seu irmão caçula, Lucas, que nasceu em 2002. João assumiu as funções de zelador; nas saídas dos turnos, é também porteiro. Além disso, faz as compras dos alimentos servidos às crianças. Maria tornou-se faxineira, mais tarde ficou responsável pelo preparo de todas as refeições; a faxina passou a ser feita por Iraílde e Selmir.


O NOVO CLICI!

Na nova sede, o projeto do Clic! foi reinventado. Aos poucos, toda a casa foi reformada, agregando novos ambientes. Toda sugestão era bem-vinda, os pais também palpitavam e ajudavam. “Eu dei uma de arquiteta, a Maria dava ideias e o João virou o nosso pedreiro oficial”, recorda Claudia. “Ela é muito animada”, conta Maria. “Enfrentou tudo do começo ao fim. Nós duas demos a faxina juntas, raspamos tacos, com espátula.”

Como havia muito espaço externo, o brincar ganhou novas atividades e novas expressões. “A gente podia correr, brincar de esconder, podia jogar bola que ela não caía na casa do vizinho”, conta Tarsila, que sempre morou em apartamento. Chegaram novos educadores, arte-educadores e funcionários,; formaram-se novos grupos de crianças. As oficinas foram revitalizadas; com um espaço só pra elas, era possível realizar novas atividades.

No fim de 1998, o primeiro ano na casa nova, o Clic! tinha quase quarenta crianças. Para Claudia, porém, não estava sendo fácil tocar o empreendimento sozinha. João e Maria ficaram preocupados. “Ela falou que ia vender o Clic! Aí eu dei uma ideia: ‘Ô Claudia, por que você não vende só metade e fica com metade?’”, recorda Maria. Claudia acha que não teria tido coragem de abandonar o projeto naquele momento. De qualquer forma, a sugestão prevaleceu e ela convidou para entrarem na sociedade duas colegas: Catarina Beleza Ferreira, a arte-educadora de música, e Adriana Di Mambro, a Dri. Catarina permaneceu até 2002.

Dri fazia supervisão em psicopedagogia com Claudia. “Quando conheci o Clic!, fiquei encantada. Eu vinha conversar com a Claudia e passava a tarde aqui”, lembra. Ao se formar, ela quis abrir uma escola para crianças de até seis anos, mas suas sócias desistiram. “Acho que foi sorte”, avalia. Ao receber o convite, não teve dúvida. “Claudia me perguntou se eu queria tempo pra pensar, eu respondi que não precisava: ‘Já está pensado.’”

Quando Dri chegou ao Clic!, todas as crianças formavam uma única turma de várias idades, acompanhada por uma educadora, que dirigia diversas atividades. “Eram brincadeiras, jogos e um trabalho muito intenso de convivência social”, recorda Dri. Na convivência, os alunos resolviam problemas como respeitar regras, colocar-se no grupo, expor suas ideias. Havia ainda oficinas de música, artes plásticas, expressão corporal, circo, tai chi chuan e teatro, e o acompanhamento do Para Casa. A propaganda era: “Em vez de ficar em casa vendo televisão, venha brincar no Clic!”.

Uma coisa que chamou a atenção da nova sócia foi a falta de habilidade das crianças novatas para as brincadeiras. “Elas não brincavam mais. Quando chegavam aqui, falavam: ‘Cadê a televisão? Tem videogame?’”, recorda Dri. “Era a primeira coisa que elas perguntavam: ‘Posso jogar joguinho?’”

Isso mudava quando elas conheciam brincadeiras que nunca tinham experimentado e encontravam outras crianças. “O pátio chamava as crianças. Elas não queriam brincar tanto de jogos, queriam brincar de queimada, de rouba-bandeira. Só saíam do pátio quando chovia ou estavam muito cansadas”, conta Dri. Depois de brincar muito, a criança, suada, ia lá dentro, bebia água, lavava o rosto, ouvia uma história, lia um livro. Os jogos – damas, xadrez, quebra-cabeças –, que na primeira fase do Clic! tiveram papel importante, foram esquecidos no armário...

Dri trabalhava de manhã e tinha uma estagiária para ajudá-la; Claudia trabalhava no turno da tarde, com duas estagiárias. O Clic! ainda não tinha recepcionista, a administração e os serviços de secretaria eram feitos por elas. Maria preparava o lanche e faxinava a casa, João limpava as áreas externas. Ele também era pedreiro, pintor, encanador... No fim do ano, fazia as reformas que o lugar ia pedindo: uma pia coletiva e baixinha para a meninada, um telhado novo, um novo cômodo...

Claudia e Dri completaram-se também nas práticas de cada uma; a primeira tinha experiência com crianças mais velhas, a segunda, com crianças mais novas. A entrada da Dri deu outro rumo ao Clic! “Representou uma organização geral do projeto”, conta Claudia. “Eu tenho uma personalidade muito aberta, tenho quinhentas ideias por minuto, mas não sou muito prática. Dri foi, desde o início, o ponto de coerência, de razão.”

Juntas, elas organizaram o novo Clic!, de modo que se tornasse cada vez mais viável, inclusive administrativamente. Decidiram ouvir a crescente demanda dos pais, que queriam trazer os filhos menores – Claudia mesma queria trazer o Davi, sem o qual o Clic! talvez não existisse –, e abriram o Maternal e o Berçário, em janeiro de 1999. “Com a Dri, eu tive segurança de dar esse passo importante”, conta a fundadora, que logo se apaixonou pelas turmas de crianças pequenas. “Era muito bom vê-las respondendo às nossas intervenções.”


Adriana Di Mambro nasceu em Belo Horizonte, no dia 27 de abril de 1971. É psicóloga, formada em 1995 pela PUC-MG, onde concluiu pós-graduação em psicologia educacional, em julho de 1997. Desde a graduação, se interessou por educação infantil e fez estágios na área. Depois de formada, começou a atender crianças de escolas públicas com deficiências de aprendizagem, no município de Córrego Fundo, região Oeste de Minas. Também trabalhou como voluntária em um centro de acolhida no Bairro Betânia, atendendo a crianças com trajetória de rua, que quiseram voltar para a escola e tiveram dificuldades escolares e de relacionamento. Nessas experiências, percebeu que é mais eficaz trabalhar com grupos de crianças, dentro da escola, do que individualmente e fora da escola. Conheceu o Clic! quando fez supervisão com Claudia Souza, que a convidou para ser sua sócia, em 1998. É mãe de Antonella, de seis anos, e Isadora, de quatro. 


"AGORA COM BERÇÁRIO E MATERNAL"

Durante alguns anos, coexistiram no Clic! dois trabalhos distintos: o antigo, extraescolar, e o novo, com bebês e crianças menores, para os quais o Clic! era a única ocupação. “Essas crianças precisavam vir todos os dias, no horário determinado, enquanto os outros, que já estavam na escola, podiam vir de duas a cinco vezes na semana”, explica Dri.

O novo trabalho foi um sucesso instantâneo! Bastou a colocação de uma faixa na entrada, com os dizeres: “Agora com Berçário e Maternal”, para que o Clic! atraísse inúmeros pais. “Eles achavam o espaço maravilhoso. Pais de meninos pequenininhos levam isso muito em consideração”, recorda Dri.

Foi a única vez que o Clic! fez esse tipo de divulgação; desde então, a propaganda é feita pelos próprios pais. “A criança chega ao Clic! porque tem um vizinho aqui ou um parente ou porque encontrou outra na pracinha”, conta Dri.

O Berçário, para bebês com idade a partir de quatro meses, começou com o irmãozinho de um menino que já frequentava o Clic! no grupo extraescolar. Depois, passou a ter três. O Maternal começou com dez crianças. Gradativa e naturalmente o eixo do trabalho do Clic! mudou. “O nosso foco foi mudando para essas crianças que são constantes, um trabalho que nós vimos que era mais profundo”, conta Dri. “Quando é a única atividade, o laço é maior.”

Claudia expõe outro motivo: “De certo modo, a nossa filosofia de trabalho entrava em conflito com o que propunham as escolas e estas nos boicotavam. Era duro isso, porque escola é meio ‘sagrada’ na nossa sociedade”. Alegando que “brincar é perda de tempo”, muitas escolas sugeriam que as crianças trocassem o Clic! por um curso de inglês, por exemplo, e muitos pais lhes obedeciam.

Com o aumento do número de crianças, aumentou também o de estagiárias: cada uma ficava com um grupo e seu trabalho era acompanhado por Claudia e Dri. Eram estudantes universitários de diversos cursos, a maioria de psicologia, mas também de direito, matemática, biologia, artes; em geral, amigos de ex-estagiários. “Tinha que gostar de criança, tinha que ter afinidade com o projeto”, recorda Dri. “Para selecionar, a gente pedia que passasse três dias aqui, pra ver o jeitinho dela com as crianças. Se combinava, se tinha potencial, a gente treinava, investia, ensinava tudo.”


REINVENTANDO O NOVO

Com a mudança de foco, o Clic! reinventou-se mais uma vez. O convívio entre todas as crianças não deixou de existir, mas, agrupadas por idade, elas ganharam espaços e rotinas diferentes. As crianças menores ocuparam a casa de trás, mais preservada e menor, enquanto as maiores ficaram com a casa da frente, mais ampla. Inicialmente, as crianças da casa da frente foram divididas também em dois grupos; em um ficaram as de seis a dez anos, no outro, as menores de seis anos.

O horário de funcionamento foi fixado de 7h a 19h, cabendo aos pais estabelecer o horário de entrada e de saída do filho, de acordo com sua conveniência, observadas duas exigências: passar, no mínimo, quatro horas no Clic! e ser frequente no horário estipulado, de segunda a sexta-feira. (O Clic! não tem férias coletivas, só um recesso de duas semanas em dezembro e janeiro.)

“A ideia de não ter horário certo é porque cada família se organiza com horários diferentes. Se eu estipulo que tem de chegar às sete e quinze, atrapalho a família que até oito e meia poderia tomar café da manhã tranquilamente com a criança”, explica Dri. Nunca existiu, porém, a possibilidade de a criança ficar “umas horinhas”. “É preciso um tempo mínimo de permanência para que a criança entenda a rotina da casa, participe de coisas interessantes e, principalmente, a gente faça um trabalho no grupo com ela.”

Às sete da manhã chegam poucas crianças, às sete e meia chegam mais, entre oito e meia e nove horas ocorre o maior movimento do turno da manhã. A dinâmica da casa acompanha esse ritmo. Os educadores também chegam aos poucos, acompanhando o fluxo das crianças; quando chega a primeira, um educador já está disponível para lhe fazer companhia. Por volta das nove horas é servido um lanche.

“Esse horário até nove horas é excelente para a convivência de todas as idades”, explica Dri. Um pouco antes das nove, quando o pátio está mais cheio, a educadora sobe com os pequenininhos. “Eles ficam um pouco inseguros, e é melhor ir para o outro pátio.”

O lanche é seguido pela roda, o momento mais importante do dia, um momento de intimidade dos grupos, pois cada um faz a sua. “Meninada, o que a gente vai fazer hoje?” Essta pergunta é o mote para que cada um conte suas novidades e combinem as atividades do dia: uma pesquisa, uma leitura, uma brincadeira no pátio, brincadeiras na areia, na sala de almofada, na sala de fantasia... Há, ainda, o horário da oficina do dia, o almoço (jantar, no turno da tarde) e a algazarra geral no pátio, enquanto as crianças esperam os adultos que irão buscá-los.

“A rotina é muito importante para as crianças muito pequenas se organizarem no tempo e no espaço, mas ela não tem que ser cumprida rigorosamente”, explica Dri. “Se a brincadeira está produtiva, o educador não tem de sair daquele espaço só porque o tempo dele ali já cumpriu.”

À medida que o número de crianças no Clic! foi aumentando, os grupos foram refeitos até seu formato definitivo: Berçário, Maternal 1, Maternal 2, Maternal 3, Grupo 1, Grupo 2 e Grupo 3. No Maternal 1 ficaram as crianças com um ano de idade; no Maternal 2, crianças com dois anos; no Maternal 3, crianças com três anos; no Grupo 1, crianças de quatro anos; no Grupo 2, crianças de cinco anos; e no Grupo 3, crianças com seis anos ou mais. “A gente mantém a convivência de todos, mas hoje cada turma faz a maioria das coisas separadamente”, conta Dri.

No fim de 2005, o Grupo 3 foi extinto, e o Clic! delimitou sua atuação exclusivamente às crianças com idade pré-escolar. “Não foi fácil tomar essa atitude, a gente gostava muito do trabalho complementar às escolas, tínhamos vínculos fortes com as crianças e as famílias, mas, como em diversas outras situações, tivemos de ser firmes e ter muita personalidade”, conta Claudia.

A decisão se baseou numa avaliação do trabalho, que concluiu que os resultados com as crianças menores eram muito positivos, enquanto com as crianças de seis anos ou mais era instável. “A avaliação comprovou o que a gente pensava”, conta Dri.

Hoje, distante, Claudia aprecia aquela decisão: “Foi a melhor coisa que a gente fez”. Para ela, o Clic! é um projeto extraordinário, cujos resultados são visíveis nas crianças. “Não precisa de teste nem de estatística. As crianças do Clic! são fantásticas e os pais veem isso.”

A partir de 2008, também o Berçário foi extinto. Nesste caso, os motivos foram outros. “Por mais esforços que fizéssemos, não conseguíamos atingir nossos objetivos”, explica Dri. “Concluímos que seria melhor para aqueles bebês ficarem em casa.” Desde então, o Clic! recebe crianças com um ano e cinco meses, ou um pouco menos, desde que “a marcha esteja firme”.


UM PROJETO COLETIVO 

Em julho de 2006, Claudia deixou o Brasil para se dedicar a outros projetos pessoais e profissionais, mas parte do seu coração continua no Clic! “Eu fui completamente feliz ali, foi um trabalho que me realizou como profissional e como pessoa”, diz. Ela conta que o Clic! proporcionou-lhe uma convivência “magnífica” com educadores, crianças e famílias, cada um acrescentando sua parcela ao projeto. “Isso me mostra até hoje como é importante ter um projeto coletivo verdadeiro, baseado na confiança mútua”, ressalta.

A saída da fundadora inaugurou um novo período de mudanças no Clic! Em 2007, a psicóloga Luciana Borges Nunes passou a integrar a equipe. Ela conhecia o Clic! desde a época de faculdade, por meio de amigas que estagiaram lá, e simpatizava com a ideia de um lugar onde as crianças brincassem livres e tivessem autonomia. Quando ficou grávida do seu segundo filho, Pedro, decidiu colocar o mais velho, Antônio, de dois anos, numa “escolinha” perto de casa, mas não ficou satisfeita.

“As crianças eram tolhidas, não tinham liberdade de correr, de brincar, tinham de ficar sentadinhas, aprendendo letra”, explica. Apesar da grande distância da sua casa, resolveu levar Antônio para o Clic!, em 2005. “Fui super bem recebida pela Claudia, com quem eu tinha mais contato, por causa do turno em que o Antônio ficava, e gostei muito, ele sempre foi muito feliz aqui dentro”, conta Luciana. No ano seguinte, Pedro também passou a frequentar o Clic!

Conhecendo o Clic! como mãe, Luciana passou a conhecê-lo também por dentro, quando Dri a convidou para planejar com ela as reuniões com os pais, no começo do ano; em seguida, tornou-se coordenadora. Profissionalmente, ela considera que seu grande ganho foi “a escuta” que encontrou. “Encontrei na Adriana disponibilidade pra resolver as coisas, as falhas que a gente ia percebendo, o que podia melhorar, como a gente podia fortalecer a equipe”, conta. “Tudo que a gente ia pensando ia acontecendo.”

Uma dessas coisas que Luciana e Dri pensaram foi como resolver a troca frequente dos educadores. “Para brincar de verdade com as crianças, era preciso gente nova, com afinidade com aquele ofício e que desse conta desse ritmo, porque no fim do dia está cansada”, explica Dri. O problema é que os estagiários permaneciam apenas dois anos, muitas vezes um ano ou menos; o Clic! investia na formação dos educadores, esses educadores saíam, vinham outros e era preciso recomeçar outra vez.

A troca constante de estagiários provocava quebras no trabalho da casa como um todo. “À medida que o trabalho foi crescendo e ficando mais profundo, essa quebra me incomodou particularmente. Porque não é só brincar por brincar, é uma preocupação com a formação do indivíduo”, observa Dri.

Luciana recorda que acompanhou Dri numa visita à Casa Redonda, em São Paulo, espaço cuja proposta tem semelhanças com a do Clic!, e voltou impressionada com a equipe, formada por educadores mais velhos, pessoas que já haviam feito sua escolha profissional. “Compreendi que, para realizar nosso ideal, o Clic! tinha de ter uma equipe forte”, conta.

O desafio era organizar financeiramente a empresa para conseguir contratar os educadores. E isso foi feito. Os primeiros contratados foram os educadores que estavam no Clic! havia dois anos, tinham afinidade com o projeto e queriam continuar. A maior parte da equipe era formada de estagiárias de psicologia, capazes de acompanhar o desenvolvimento das crianças mais profundamente. No entanto, a maioria dos estudantes de psicologia quer clinicar. Por isso foi preciso identificar as futuras psicólogas e futuros psicólogos interessados em crianças.

“A primeira coisa que nós perguntamos foi: ‘Você está a fim de estudar muito, de investir nessa turma de crianças, de assumir o compromisso de ficar até o final do ano?’”, informa Luciana.

Constituída a equipe fixa, com educadores mais antigos, a formação dos estagiários tornou-se mais fácil. “No dia a dia, na roda, tem mais pessoas na casa falando a mesma linguagem, com o mesmo pensamento”, explica Dri. “Tendo profissionais que pensam a mesma coisa, o projeto do Clic! caminha, ele se realiza todos os dias porque tem essas pessoas”, acrescenta Luciana.

Hoje, o Clic! chegou “a um passo do ideal”: a turma que tem um educador, este é mais antigo, é contratado e tem formação mais profunda. Quando a turma tem dois educadores, um deles pode ser estagiário. O estagiário não é um ajudante do educador;, suas obrigações não são cuidar da limpeza da sala e da higiene das crianças: ele planeja junto com o educador, responde pelas crianças junto com o educador, mas a gente nunca esquece que ele está aprendendo. E as crianças não fazem distinção entre os dois.

O Clic! faz questão de continuar tendo estagiários, pois quer participar também dessa formação de adultos. E também faz questão de ter educadores do sexo masculino. “Faz muita falta o papel masculino”, observa Dri. “A educação não cabe só às mulheres, os homens têm muito a acrescentar.”

Como ocorrera com Claudia antes, Dri também percebeu que permanecer sozinha à frente do Clic! comprometeria o projeto. “No consultório, eu sentia muita solidão,; no Clic! encontrei uma troca muito rica. Pensar junto, trocar ideias, rever a prática, me deu conforto. Desde o momento em que a Claudia saiu, eu pensei: ‘não vou ficar sozinha’”, conta Dri.

Dri convidou a psicóloga Letícia Fonseca Fernandes para ser sua sócia. Como ex-estagiária, de 2001 a 2003, Letícia conhecia bem a proposta, que a impressionara pela liberdade das crianças, que não ficavam fechadas dentro de uma salinha. “O tempo inteiro eu contava os meninos pra ver se estavam todos, se não tinha perdido ninguém”, recorda Letícia. “Eu pensava que eles iam subir no telhado, subir na janela, mexer com vidro, tirar a roupa. Depois vi que não é bem assim.”

Entender a autonomia da criança e o momento em que o educador intervém era requisito básico na sócia que Dri buscava. “Isso não se ensina, se aprende vivendo”, explica.

Na sua volta ao Clic!, Letícia percebeu diferenças importantes, como a autonomia dos educadores. “Na minha época, as turmas eram menores e tinham menos turmas. A quantidade de crianças dentro da casa era muito menor e era possível que a Claudia ou a Adriana acompanhasse cada passo que a gente dava com a turma, cada conquista, cada projeto. Isso não é mais possível”, compara. “Hoje a gente precisa que os educadores tenham autonomia e sejam formados, para que, de acordo com a nossa orientação, consigam desenvolver sozinhos um projeto, uma intervenção.”

Se hoje o Clic! tem educadores formados à frente das turmas, tem também o olhar de fora – além da experiência – da direção. “A gente enxerga coisas que eles, por estarem inseridos na turma, não conseguem ver. É um outro olhar, que enriquece”, observa Letícia. O trabalho ganhou com isso. “A gente estuda muito sobre o projeto, e o Clic! aproveita essa formação muito mais, porque os educadores ficam mais tempo na casa.”

Tão acertada quanto a contratação dos educadores, na sua opinião, foi a manutenção do estágio. “É exatamente a heterogeneidade no nosso grupo de estudos que o faz caminhar tão bem. Temos gente de psicologia, de artes plásticas, de psicologia social, gente com experiência de contação de histórias, e o estagiário, que está na academia, em contato com trabalhos novos, e que traz isso pra gente. Essa heterogeneidade é essencial na nossa produção de conhecimento”, analisa Letícia.

Outra diferença é a participação integral das crianças no projeto. “Serem as mesmas crianças, elas conviverem e dividirem a casa, dividirem o espaço, dividirem os problemas, os conflitos, tudo isso faz diferença. Traz, inclusive, segurança maior para as crianças”, ressalta Letícia.

Em 2009, o número de crianças frequentes no Clic! chegou a 102, quase o limite; 37 de manhã, em cinco turmas, uma para cada idade, e 65 à tarde – uma turma de Maternal 1, duas de Maternal 2, uma de Maternal 3, duas de Grupo 1 e uma de Grupo 2. Oito crianças frequentaram os dois turnos. O número de crianças por turma variou de cinco a quinze. Trabalharam dezessete educadores, sendo sete estagiários; quinze mulheres e dois homens.


Luciana Borges Nunes nasceu em Governador Valadares (MG) no dia 5 de junho de 1970. É psicóloga com ênfase em educação, formada pela PUC-MG, em 1998. Na faculdade fez estágios, pesquisas e monitorias nas áreas de psicologia social e educação popular e comunitária. Seu primeiro estágio foi no projeto Curumim, do governo do estado de Minas, no qual trabalhou com crianças maiores de sete anos. Como profissional, trabalhou na empresa de consultoria e planejamento Civitas, ajudando a organização de comunidades de conjuntos habitacionais financiados pela Caixa Econômica Federal, em Bocaiúva, Janaúba e Montes Claros. Antes de se tornar coordenadora do Clic!, em 2007, atuou durante quatro anos na Secretaria Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte, fazendo abordagem de populações de rua. É mãe de Antônio, de sete anos, e Pedro, de cinco. 

Letícia Fonseca Fernandes nasceu no dia 18 de janeiro de 1982, em Belo Horizonte. É formada em psicologia pela PUC-MG, em 2006. Desde o começo do curso sabia que iria trabalhar com crianças. Fez estágio no Clic! durante dois anos, de dezembro de 2001 a dezembro de 2003. Fez também estágios em uma escola tradicional, em uma creche pública e em três hospitais. Depois de formada, trabalhou como psicóloga clínica e ainda atende em consultório, duas vezes por semana. Fez pós-graduação em psicanálise e saúde mental, no Centro Universitário Newton Paiva, e atualmente faz formação em psicanálise no Campo Lacaniano. Suas monografias de graduação e pós-graduação foram na área de psicologia clínica com crianças. Em 2003 recebeu de Claudia Souza a metodologia de uma franquia do Clic!, mas não chegou a implantá-la. Em 2007, realizou, enfim, seu desejo, aceitando o convite de Adriana Di Mambro para se tornar sua sócia.

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