EPÍLOGO

 


NO TERRENO FÉRTIL DAS RELAÇÕES AFETIVAS

O Clic! tem uma pedagogia? Dri, Letícia, Luciana e os educadores do Clic!, quase todos psicólogos, não usam esse termo. “Ele está associado a uma sistematização, a uma coisa mais fechada, programada, por isso a gente não gosta muito de usar esse termo”, explica Dri. Ao mesmo tempo, ela não encontra outro. “Às vezes eu penso: ‘Que tal ressignificar esse termo? Porque existe uma pedagogia nossa, que não é fechada, depende dos sujeitos, que são os interlocutores, tanto dos adultos quanto das crianças.”

A forma como o Clic! educa depende da época, do que as crianças estão dizendo, do que cada grupo específico traz como vivência, como contexto social. No entanto, tem eixos orientadores, que são a base: o lúdico, a interação, a cultura. “Qualquer coisa feita aqui dentro tem que ter significado pra criança, isso é fundamental, se não tiver, não tem sentido”, ressalta Dri. “Isso culmina na construção do saber, não no acúmulo de conhecimentos.”

A pedagogia seleciona assuntos e determina tempo para que eles sejam desenvolvidos. No Clic!, ao contrário, o assunto é ditado pelas crianças e o tempo, pelo seu envolvimento com ele. Uma característica da “pedagogia” do Clic! é que a criança precisa experimentar o mundo. “A criança dessa faixa etária com a qual a gente trabalha, muito mais do que ouvir falar das coisas, precisa experimentar”, explica Dri. Por isso o Clic! oferece situações e atividades de experimentação o tempo todo.

Outra característica da “pedagogia” do Clic! é cuidar muito profundamente das relações das pessoas enquanto indivíduos, enquanto sujeitos. “A gente consegue ver no dia-a-dia que a simplicidade fala mais alto para a criança. Ela não precisa de objetos para se desenvolver, ela precisa de relações”, observa Luciana Borges.

É no terreno fértil das relações de confiança e afeto que as coisas acontecem. “Essas crianças precisam acreditar que o mundo é bom, elas precisam confiar nos adultos”, enfatiza Dri. Por isso, todos os adultos da casa são confiáveis para as crianças; elas conhecem todas as pessoas que trabalham no Clic!. “Elas têm o educador como referência, mas se precisarem de qualquer coisa e o educador não estiver, elas não ficam aflitas ou desamparadas.”

O mundo das crianças do Clic! é muito restrito, basicamente é constituído da família e da escola. “Quando saem daqui, dependendo do lugar para onde vão, elas estranham as formas como as pessoas se relacionam, mas como têm valores muito bem construídos, sabem fazer uma crítica ao que encontram e propor outras relações”, destaca Dri.

Letícia conta uma história que exemplifica bem a relação das educadoras do Clic! com as crianças.

“A gente fez um encontro da equipe na casa da Adriana, educadores com os maridos, namorados, namoradas, filhos. Num determinado momento, a Lina, filha da Camila, que tem dois anos e meio, viu o bolo que a Dri tinha comprado pra sobremesa e quis cantar parabéns. Porque tinha bolo, tinha de cantar parabéns, foi a lógica dela. Ela insistiu, a gente perguntou: ‘Parabéns pra quem? Aniversário de quem?’ Ela respondeu: ‘De todo mundo’. E ninguém pensou duas vezes, nós levantamos e fomos cantar parabéns pra todo mundo. E na hora que terminamos, ela falou: ‘E o big?’ E aí teve o big... Depois que eu cheguei em casa é que fui pensar naquilo: uma criança de dois anos deu uma sugestão e os adultos simplesmente pararam o que estavam fazendo para ouvir e fazer o que ela sugeria. É isso, para nós a palavra da criança tem tanto valor  quanto a do adulto.”

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