PARTE IV: O CLIC! ABERTO



COMPARTILHANDO ESPAÇO E AFETO

Em alguns momentos ao longo do ano, o Clic! se abre para os pais, familiares, amigos e comunidade. Isso faz parte da proposta do Clic!, que inclui a interação e a cultura, e começou com os Sábados Abertos. “A ideia do Sábado Aberto era reunir as famílias neste espaço que no dia-a-dia é só da criança”, explica Dri.

O simples fato de entrar no Clic! e dividir seus espaços com o filho já é significativo. Nos Sábados Abertos, o Clic! é completamente devassável, todas as portas ficam abertas, os visitantes podem circular como se estivessem na sua casa. Afinal, é a casa dos seus filhos durante toda a semana. As próprias crianças servem de cicerone, mostrando coisinhas e lugares que fazem já parte da sua vida.

Há sempre a apresentação de um grupo de teatro, música ou circo, pois um dos propósitos do Sábado Aberto é colocar as famílias e os educadores em contato com boas produções culturais. No restante do tempo, as pessoas apenas estão ali, transitando, conversando, observando e se encantando. A palavra encantamento é recorrente nos depoimentos sobre o Clic!.

Às vezes, a atividade cultural envolve pais e educadores. “É uma oportunidade de os educadores fazerem com as famílias algumas coisas que são feitas aqui só com as crianças”, explica Dri. Não se trata de apresentação de trabalhos prontos, bonitinhos. “A gente nunca teve intenção de mostrar um trabalho que foi ensaiado pra família aplaudir. O que a gente quer é que ela participe junto com a criança, junto conosco.”

Em 2008, o Clic! celebrou uma festa maravilhosa, a Festa da Colheita, mas não foi aberta. Em 2009, o Sábado Aberto de setembro repetiu o espírito da festa, comemorando a chegada da primavera com um piquenique. Foram estendidas toalhas na grama e montados lanches com alimentos trazidos pelas famílias. Todos se sentaram e compartilharam a comida.

Os Sábados Abertos acontecem quase sempre no último sábado do mês, das 10h às 12h, e dão muita satisfação aos educadores do Clic! “O retorno que nós temos é muito bom, sempre vem alguém falar que foi gostoso”, conta Dri. Alguns Sábados lotam o Clic!, outros nem tanto, mas a participação das famílias vem aumentando, ao longo dos anos.

Em 2009, o Clic! ousou realizar um Sábado Aberto diferente, o Festival Clic! de Brincadeiras na Rua. O objetivo foi resgatar as brincadeiras de rua, mostrando às crianças um universo que elas desconheciam, mas que fez parte da vida dos seus pais e de muitos dos seus educadores. Para isso, convidou a vizinhança a fechar a rua e compartilhar velhas brincadeiras que estão se perdendo por falta de espaços públicos.

Durante duas horas numa manhã de maio, a meninada e os adultos jogaram futebol, vôlei, bente altas, queimada, bateram corda, pularam amarelinha, andaram de bicicleta, patinetes, carrinho de rolimã e velocípede, sem serem perturbados pelo trânsito de veículos. O Sábado Aberto possibilitou a todos uma interessante experiência de serem os donos da rua e conviverem com os vizinhos, despertando nos mais velhos a memória de uma época não muito distante em que a cidade era mais civilizada e agradável.


UMA FESTA CHEIA DE SIGNIFICADO

O Clic! comemora também duas festas: a junina e o carnaval. “A Festa Junina foi a primeira festa que nós fizemos”, conta Dri. “É uma festa popular que tem em todos os lugares, muito rica de elementos, com uma diversidade cultural grande, tem culinária, vestimenta, dança, música, história.” Ela substitui o Sábado Aberto de junho e é realizada no mesmo horário. Nela, nada é vendido; não é cobrado ingresso, o lanche é oferecido e compartilhado pelas famílias, as prendas das barraquinhas são artesanais.

Sua preparação começa com a pesquisa feita pelos diversos grupos com seus educadores e que serve para situar as crianças historicamente. Da pesquisa, passa-se à produção da festa. A ideia é reproduzir e produzir todas essas coisas que fazem parte da festa: as danças, as músicas, os enfeites. Os pais também são convidados a participar na confecção dos enfeites e prendas, em geral passando uma manhã ou uma tarde no Clic!.

Na rotina do Clic!, a Festa Junina começa na horta, que tem essa característica de situar as crianças numa época do ano específica. “Nem tinha oficina de horta ainda e a gente já fazia isso, plantava para dar sentido à festa junina”, conta Dri. Isso acontece em abril.

Em seguida, começa a produção de enfeites, usando sucatas e materiais conhecidos pelas crianças. “Fazemos coisas que as crianças dão conta de produzir, o adulto não trabalha sozinho, não tem sentido”, explica Dri. Assim, cada ano tem uma riqueza diferente, porque os grupos são diferentes, as crianças dão outras ideias e os educadores também.

Como a festa está ficando cada vez maior, a produção tem que ser maior e precisa de mais pessoas para ajudar. Em 2009, o Clic! experimentou ocupar a rua: fechou o quarteirão durante algumas horas, avisou os vizinhos, convidou-os para a festa e realizou as danças no asfalto.

“A gente não perde o foco de que pra gente precisa ter sentido pras crianças”, observa Dri. “O mais importante é o processo. Se a criança no dia ficar com vergonha, não quiser apresentar, ou se ela precisar do pai e da mãe pra vir dançar com ela, não tem problema nenhum.”

O significado da Festa Junina do Clic! é a compreensão pela criança de que é festa importante da nossa cultura, que é muito antiga e está espalhada pelo Brasil inteiro. As crianças participam durante três meses. “O processo todo é muito mais importante do que a dança no final”, explica Dri. “A dança é bacana, porque é o resultado da pesquisa, mas fazer bonito não é o caso. Já é bonito, já foi pesquisado, já foi ensaiado, e os ensaios são uma brincadeira, tem dia que dá certo, tem dia que não dá, tem dia que eles estão com vontade, tem dia que não estão.”


HISTÓRIA DE UMA RASTEIRA

A comemoração do carnaval começou muitos anos depois da festa junina, e como tudo no Clic! foi uma evolução. “A gente fazia o carnaval aqui dentro”, conta Dri. “Na semana que antecedia o carnaval, nós construíamos fantasias com as crianças e fazíamos um bailinho. Depois a gente viu que tinha de fazer dois dias de carnaval, porque as crianças gostam de fantasias, usam fantasia o ano inteiro e queriam dançar o bailinho com as fantasias delas. Elas davam essa rasteira na gente.” 

O Clic! então abandonou a construção de fantasias e ficou só com o bailinho à moda das crianças. Ele era feito num dia comum da semana, em fevereiro, época de chuvas, que, por isso, não tem Sábado Aberto. “Só que teve um ano que estiou, não tava chovendo, e a gente falou assim: ‘Vamos arriscar e fazer um baile aberto?’ E deu certo, e a gente começou a repetir, independentemente da chuva”, conta Dri. 

A preparação do carnaval é semelhante à da Festa Junina: começa com uma pesquisa, turma por turma. “Tem turma que dá pra ler com eles, tem turma que não dá pra ler, tem turma que a gente precisa de muita gravura, depende da idade”, diz Dri. 


"AMIGOS PAIS..."

O Clic! se comunica regularmente com as famílias, por emeios; os cardápios mensais de lanche, almoço e jantar são informados assim. Semestralmente, são feitas reuniões gerais e específicas, por turma, entre educadores e pais. Além de apresentar o trabalho realizado no semestre e o desenvolvimento observado nas crianças, essas reuniões são oportunidades de discussão dos assuntos que interessam a todos e esclarecimento de dúvidas que habitam as cabeças de mães e pais contemporâneos.

No começo do ano acontece uma reunião geral, que serve para mostrar aos pais novatos a rotina do Clic!, apresentar a equipe e falar um pouco do trabalho que será feito no semestre. Em geral, os pais de crianças do Clic! buscam alguma coisa que eles não sabem exatamente o que é, mas que tem a ver com a recuperação da infância. Dizem: “Eu vim aqui porque me falaram desse lugar que é diferente de outras escolas e eu gostei do que ouvi”.

“A gente vê neles um eco para as coisas que a gente pensa e está desenvolvendo com as crianças”, conta Dri. “Mesmo quando é uma coisa nova, eles associam com alguma coisa que tem valor pra eles e usam em casa. São pais que têm muita afinidade conosco e que apoiam nossas iniciativas.”
Uma preocupação do Clic! é com a informação dos pais. “Existe hoje muita informação sobre como educar o filho”, observa Dri. “Existem muitos livros, muitos manuais, muitas palestras, muitas discussões, inúmeras reportagens em revistas e jornais sobre isso, mas é muito difícil achar alguma coisa realmente profunda e orientadora.”

É muito comum as famílias ficarem perdidas nos seus próprios critérios. “Eu posso bater? Eu posso brigar? Coitadinho! Eu fui muito dura, ele chorou, por isso que eu não faço mais. Eu deixo, porque se eu não deixar ele chora. Ele é tão pequeno, eu já posso fazer isso?”

“Está difícil, hoje, para a maioria das famílias, achar os seus próprios valores”, analisa Dri. “O olhar está muito voltado pra fora, para as informações do mundo: ‘Não bata no seu filho porque ele vai ficar traumatizado, tal brinquedo desenvolve a coordenação motora, tal brinquedo ensina as letras’. Eu vejo que eles olham muito mais pra essas informações do que pra própria criança, e às vezes perdem o próprio filho de vista, seu desenvolvimento, criatividade, capacidade cognitiva, capacidade de se relacionar.”

Uma das reuniões importantes faz parte do calendário do Grupo 2 e acontece no primeiro semestre. Nela é discutido um assunto que aflige os pais das crianças que estão no último ano: como escolher a escola do seu filho. Embora muitas vezes os pais desejem uma indicação de escola, as educadoras do Clic! não fazem isso. Seu objetivo é tranquilizá-los, mostrando que essa é uma escolha pessoal, que cada família faz de acordo com suas convicções e conveniências.

A experiência mostra que as crianças que passam pelo Clic! se saem bem nas mais diversas escolas. Dri, Letícia e Luciana Borges evitam influenciar a escolha dos pais, mas não se furtam a responder a perguntas sobre métodos educacionais e correntes pedagógicas. Fazem mais do que isso: visitam as principais escolas da cidade para conhecê-las por dentro e estarem aptas a informar corretamente sobre elas.  


PAIS AUSENTES, MÃES COM DÓ

Um sentimento cada vez mais comum entre os pais é o de pena do filho pequeno. “Os pais estão poupando as crianças, cercando o mundo ao redor das crianças para que elas não sofram e, principalmente, para que elas não se frustrem”, observa Dri. “Uma vez uma mãe me falou assim: ‘Eu tive de sair às nove horas da noite pra comprar danoninho’. Isso porque o filho queria e tinha acabado. Então ela saiu e foi comprar danoninho às nove da noite.” 

Às vezes a mãe pergunta à educadora: “Fulaninho está tão triste porque o amigo não quer brincar com ele, o que eu faço? Você acha que eu trago um brinquedo pra ele seduzir o amigo com esse brinquedo? Como que eu posso ajudar?” Em onze anos de Clic! Dri observa que esse sentimento de pena do filho está ficando cada vez mais comum. “A gente vê isso nas adaptações. Como é difícil para a mãe ver o filho chorar enquanto está se adaptando na escola!” 

Por que isso está acontecendo? Um dos fatores é a ausência. “Eu vejo isso mais nas mulheres do que nos homens. Geralmente quem faz adaptação é a mãe, quem vem se queixar ou reclamar é a mãe, os pais se manifestam menos. Fico pensando que a mulher, hoje, está mais ausente do dia-a-dia da criança. É muito difícil pra essa mãe que trabalha, que passa pouco tempo com o filho, ver o filho se frustrar por alguma coisa. Elas sentem que é uma dor insuportável pra criança. Na verdade não é.” 

A cobrança dessa mãe que está ausente da vida do filho é mais pesada, mais forte, mais dura. “A mãe que passa muito tempo com o filho sabe que a criança cai e machuca e rala o joelho. A que passa pouco tempo com ele quase morre de ver o joelho ralado.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário